Entrevista sobre o Movimento dos Sem Teto da Bahia (Brasil)

 

Adriana Balaguer, Global Education Magazine Adriana Lima Balaguer
 Terapeuta ocupacional pela FBDC. Mestre em psicologia pela UFBA
 albalaguerl@hotmail.com
 
 
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Javier Collado Ruano: Como surgiu a idéia de conhecer o MSTB e quantas Ocupações você pesquisou?

Adriana Balaguer: A idéia surgiu a partir da minha pesquisa de mestrado, realizadas na UFBA, em Psicologia do Desenvolvimento. Há uma demanda, nessa área do saber, de conhecer diferentes contextos onde a criança se desenvolve. Como o MSTB é um nicho de desenvolvimento novo, surgido nos últimos 10 anos e ainda não havia sido pesquisado, enquanto contexto de desenvolvimento específico na Bahia, achamos que esse seria o início de um novo campo de pesquisas. Foram pesquisadas duas ocupações, por um ano: a Ocupação Cidade de Plástico e a Ocupação Quilombo Paraíso, ambas localizada no bairro de Periperi, mas com características físicas bem distintas.

JCR: Diga o que é o MSTB e qual é seu objetivo primordial?

AB: O Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB) é um movimento social urbano, caracterizado por pessoas que lutam por melhores condições de vida e de moradia, não se restringindo a habitação, mas buscando reafirmar a função social da propriedade urbana. É importante compreender que o movimento tem um forte caráter político e identitário, de luta pela cidadania, entendendo que a escassez de moradia urbana e a exclusão social são problemas estruturais e históricos que devem ser compreendidos e transformados a partir da consciência política e do movimento em busca da equidade. Assim, a luta não se refere apenas à moradia, mas procura abarcar tudo que está ligado à qualidade de vida e das relações sociais.

JCR: Comente um pouco da trajetória desse movimento social:

AB: Tal movimento é oriundo do MSTS – Movimento dos Sem Teto de Salvador, que realiza sua primeira ocupação no dia 02 de julho de 2003, de forma espontânea, onde um grupo de pessoas se juntou para ocupar um espaço na estrada velha do aeroporto. No dia seguinte iniciou-se um movimento que durou 17 dias (de 03 a 20 de julho) onde se criou oficialmente o MSTS (no dia 20 de julho de 2003, aprovado em assembléia. Vale ressaltar que esse não é um movimento exclusivo da cidade de Salvador, mas que se estende não somente por todo o estado da Bahia, mas que acontece em todo o país. A partir da luta o MSTB já conquistou, diante das autoridades municipais, a construção de aproximadamente 200 casas populares no bairro de Valéria e vai conquistar muito mais.

JCR: Que fatores favoreceram o surgimento do MSTB?

AB: É preciso contextualizar o sistema político e sócio econômico vigente, bem como conhecer a configuração histórica que levou a essa trajetória. O Movimento vai surgir a partir de duas vertentes: dos fatores histórico estruturais e dos fatores de conjuntura social.

JCR: Você acredita que pode se fazer uma relação entre o passado histórico de escravidão e o MSTB?

AB: Sim. È fundamental compreender que a abolição da escravatura, sem medidas de proteção ou reparação (políticas públicas de redistribuição de terras, por exemplo) aos ex escravos também contribuiu para a formação da realidade atual. Vale ressaltar que, grande parte dos componentes do MSTB são afro-descendentes e, por isso uma das ocupações pesquisada se intitula “Quilombo” (Quilombo Paraíso).

JCR: No MSTB há uma relação familiar entre os habitantes? Como se dão as relações pessoais nos espaços de Ocupação?

AB: Tal movimento engloba uma série de famílias que, juntas, ocupam determinados locais em busca de espaços urbanos de moradia, associado a uma luta política, reivindicando por uma habitação mais digna. Os espaços de ocupação passam, assim, a se constituir como espaços de vida do coletivo, onde pessoas, li- gadas ou não por laços parentais, vivem dentro de um mesmo ambiente físico e social, que vem a se constituir como contexto de desenvolvimento. As famílias que vivem no MSTB se constituem como nichos individuais con- vivendo em um “macro-nicho” que ganha características de comunidade a partir do momento em que todos daquele núcleo estão trabalhando em prol de um objetivo comum (moradia urbana) e habitam o mesmo espaço físico. Dessa forma o movimento se caracteriza enquanto luta social.

JCR: Descreva um pouco do modo de vida e habitação nas Ocupações visitadas

AB: As casas são feitas de materiais diversos como: madeirite, papelão, pedaços de computador ou reboco. Ficam localizadas muito próximas uma da outra e há intenso contato entre os habitantes, que tem um senso de comunidade e de troca muito grande, onde compartilham refeições, cuidado com as crianças e muito contato uns com os outros.

JCR: Você conheceu um pouco do MSTB enquanto contexto de desenvolvimento infantil. O que você poderia comentar a respeito da infância no Movimento?

AB: As crianças deste contexto vivem em um ambiente comunitário, muitas vezes compartilhando espaços de moradia, experimentando situações de instabilidade e precariedade habitacional e monetária em uma realidade sócio econômica desfavorecida. Apesar disso, elas se desenvolvem, e tem uma rotina de estudos, brincadeira e cuidados gerais que podem favorecer seu desenvolvimento e, em alguns casos, garantir seu suporte emocional. Portanto, vale ressaltar que apesar da pobreza material poder ser um fator de risco, a mesma não é determinante para um resultado desenvolvimental negativo.

Crianças do Movimento Sem Teto da Bahia, Global Education Magazine,

JCR: Dentro da sua pesquisa você encontrou brincadeiras específicas que acontecem no Movimento dos Sem Teto?

AB: Sim. As crianças do Movimento são extrema- mente criativa e brincam muito. Observei algumas brincadeiras inclusive inventadas por eles, adaptando elementos do seu cotidiano, com a brincadeira de “Tampinha”, que era uma espécie de “jogo de gude”, usando tampas de garrafa pet e a brincadeira de “7 pedrinhas”, onde as crianças usavam tijolos. Também foram vistas muitas brincadeiras de comidinha, usando o barro do chão. O mais interessante foi constatar a adaptação ambiental que as crianças fazem para viabilizar suas brincadeiras.

JCR: A partir do tempo que você conviveu com o MSTB e diante das conquistas observadas no Movimento, que prospeções você poderia fazer a respeito do futuro do Movimento, no sentido de conquista da moradia urbana e melhoria das condições de vida dos seus habitantes?

AB: Percebi que alguns dos habitantes vem buscando um maior nível de organização política, bem como procurando ser mais participativo na organização comunitária. Foram construídas 200 casas para os habitantes do MSTB e novas casas já estão sendo construídas. Acredito que os habitantes devem alcançar seu objetivo de melhoria das condições de vida e espero que eles possam deixar um legado de luta e de conquista para as próximas gerações.

 

*Gostaria de agradecer a minha orientadora, Prof. Dra. Ilka Dias Bichara (UFBA) que orientou, viabilizou e acreditou nessa pesquisa. 

 

This article was published on October 17th: International Day for the Eradication of Poverty in Global Education Magazine

 

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