Água: dentro de cada um, à volta de todos

Clara Luisa Giugovaz Baleeiro, global education magazineClara Luisa Giugovaz Baleeiro

Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense, Brasil

claragiugovaz@gmail.com

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Resumo:

As distintas crises hídricas pelo mundo refletem uma consciência pouco desenvolvida acerca do que é essencial para a vida. Cidadãos pouco conscientes; descasos governamentais; agronegócios que utilizam fertilizantes que contaminam solos e lençóis freáticos; indústrias com despejos irregulares de esgoto, todos têm sua responsabilidade perante aqueles que são ou já foram prejudicados com a falta de água e perante o meio ambiente poluído. Diante do cenário chocante em alguns países africanos, no Brasil, na China e em outros locais, movimentos e estudos surgiram convidando a todos a repensarem o modo como à água é utilizada e acrescentando novos conhecimentos a respeito da influência desse elemento para a vida humana e para o planeta que vão além da questão da necessidade física.

Palavras-chaves: Água potável, poluição, governo, indústria, cidadão, projeto, responsabilidade, consciência.

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Thinking About The Water Inside and Around Everyone

Abstract

The different water crises around the world reflect an undeveloped awareness about what is essential for life. Citizens with little consciousness, government Negligence, agro-business using fertilizers that contaminate soil and groundwater, industries with irregular sewage dumps, all have their responsibility to those that are or have been affected by the lack of water and to the polluted environment. Given the shocking scene in some African countries, Brazil, China, and elsewhere, movements and studies are inviting everyone to rethink the way water is used and adding new knowledge about the influence of this element for human life and for the planet that go beyond the issue of physical need.

Key-words: Drinking water, pollution, government, industry, citizen, project, responsibility, conscience.

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Pensar em um mundo sem água é como imaginar o mundo sem ar, sem o calor do sol ou sem a terra. Seria um planeta em que a forma de vida conhecida hoje não existiria. Que atores estão envolvidos com a utilização inadequada desse recurso? Em que se resume a importância da água? Apenas na necessidade física? Qual tem sido a postura da humanidade diante de tudo que lhe permite a existência e como ela tem expressado sua gratidão?

A desarmonia entre o comportamento do homem e o meio em que ele vive é clara. Muitas matas e animais não existem mais; muitos rios e mananciais estão poluídos; o ar está a cada dia mais impuro, e muitas pessoas morrem por não terem acesso à água tratada e nem ao saneamento.

Certamente, não há gratidão, não há respeito e não há amor.

Quem não for capaz de compreender a relação entre esses três conceitos e o mau uso da água precisa pensar que:

– apenas 20% da água residual do globo é atualmente tratada;

– 750 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água adequada ao consumo.

Diante de distintas crises hídricas e do alto nível de poluição de importantes rios e mananciais, é possível perceber o descaso, tanto com os modos de uso da água, seja pelo consumidor individual, seja pelas indústrias e outros. Tal postura confirma um modelo de vida em que o consumo desenfreado e o lucro estão, na maioria das vezes, acima da questão de sustentabilidade.

Muitos colaboram com o mau uso da água, ainda que inconscientemente, enquanto outros lutam pelo seu uso sustentável. Diferentes atores estão envolvidos nessa questão da utilização da água, elemento vital: governo, indústria, agricultura, cidadão; ou seja, todos seres humanos.

A questão do planejamento e comprometimento, por parte dos políticos, para que a população tenha acesso à água limpa, exige esforço, investimento e dedicação, uma vez que água tratada é imprescindível à sobrevivência e ao desenvolvimento humano. Infelizmente, não se têm observado essas ações. Um exemplo de descuido com a população é a seca que assola o nordeste brasileiro há anos, onde, no período de seca, a produção e a agricultura são afetadas e, consequentemente, não há trabalho e nem alimento. As pessoas dessa região passam por muitas dificuldades, que as levam a deixar o local atual, buscando locais aonde possam sobreviver. Elas ficaram conhecidas como “retirantes” e assim são retratadas – como forma de denúncia social – na música, na literatura, no cinema e na arte brasileira em geral.

Importante lembrar que uma das saídas propostas pelo governo para o abastecimento de água no nordeste brasileiro foi a transposição do Rio São Francisco. O projeto foi iniciado em 2006 e, ainda hoje, não se resolveu o problema de seca no sertão.

O engenheiro agrônomo e estudioso de recursos hídricos, João Suassuna – da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife (PE) – garante que o potencial de recursos hídricos do Nordeste tem capacidade para abastecer o território, e aponta que o problema está na gestão.

A questão da gestão também afeta o acesso à água limpa em diversos países do continente africano, onde cerca de 300 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água limpa. Entretanto, em diferentes partes do território há reservatórios subterrâneos com água suficiente para abastecer a população.

No que se refere à indústria de modo geral, o índice de substâncias químico-tóxicas que elas descartam pelo esgoto é alarmante. Esse esgoto, além de contaminar a água da superfície, onde é despejado de maneira irregular, pode contaminar os solos e os lençóis freáticos, que são uma grande reserva de água para a humanidade.

Dentre essas substâncias químico-sintéticas estão as chamadas POPs – produtos orgânicos persistentes – conhecidas por serem resistentes à decomposição e terem o poder de se acumular em tecidos de organismos vivos, provocando perturbações hormonais. Os peixes podem ser usados como exemplo de organismo que acumula POPs e, como estão na cadeia alimentar que terminará no ser humano, este herda tudo o que estava acumulado no organismo do animal.

Outro impacto de poluentes na água são as chamadas Zonas Mortas, nas quais o oxigênio é consumido à medida que essas substâncias químicas se decompõem, diminuindo, portanto, o oxigênio da água, tornando-a imprópria para a vida nessas áreas. Em 2012, só na China, a descarga de matérias poluentes, dentre elas metais pesados, foi de17 milhões de toneladas. Na agricultura chinesa, fertilizantes nitrogenados são altamente utilizados mesmo sendo fatores de contaminação para os solos e lençóis freáticos.

Muitos cidadãos ainda usam água de forma indiscriminada, desperdiçando esse recurso, despejando lixos em locais impróprios e não reutilizando a água quando possível. Esses são apenas pequenos exemplos da pouca consciência que há em relação ao uso água. Também há a questão da responsabilidade no momento de consumir produtos. Muitos produtos disponíveis no mercado não apresentam responsabilidade ecológica na sua produção. Quando utilizados, suas substâncias químicas, em contato com a água, continuam poluindo-a, além de fazer mal ao consumidor, até mesmo pelo seu contato físico com tais produtos. Adquirir esses produtos é participar da degradação do planeta, ainda que de maneira não consciente.

Em contrapartida, há pessoas que lutam para que haja conscientização para o uso da água de forma mais harmônica e respeitosa, o que só tem a elevar a qualidade de vida no planeta.

Um exemplo disso é a campanha Detox, do Greenpeace. Ativistas por todo mundo se uniram em uma campanha global para chamar a atenção sobre os componentes tóxicos utilizados pela indústria da moda, e da água que não é devidamente tratada ao retornar ao ambiente natural, poluindo e contaminando diversas fontes hídricas. Mais de meio milhão de pessoas desafiaram diversas marcas a tratarem seu esgoto antes de despejá-lo no meio ambiente, e a eliminarem componentes tóxicos de sua produção. O fato de a campanha ter trazido a questão para a mídia, deu oportunidade às marcas de repensarem a origem dos seus produtos dentro do mercado, assim como a toda a sociedade de aderir à campanha contra produtos prejudiciais ao meio ambiente e ao próprio homem.

A Ryan’s Well Foundation é também uma sensível iniciativa. Em 1998, aos 6 anos, Ryan Hreljac, natural do Canadá, em uma aula na escola primária aprendeu sobre o difícil acesso à água limpa em países africanos. A questão o levou à inciativa de juntar dinheiro com seus familiares e amigos para a construção de um poço. Buscou a WaterCan (ONG canadense), que se comprometeu a arrecadar o capital que faltava. Um ano depois (1999), foi construído o primeiro poço com a iniciativa de Ryan Hreljac, no Norte da Uganda, perto de uma escola. Ainda esse ano, Ryan criou a fundação Ryan’s Well. Desde então, muito projetos já foram realizados e muitos continuam em andamento.

Outro projeto envolvido na questão da água é o Emoto Peace Project, declarado durante um seminário nas Nações Unidas em 2005. O foco é a educação infantil sobre água. Massuro Emoto se comprometeu com a distribuição de 650 milhões de exemplares da versão infantil do seu livro “A Mensagem da água”, nos dez anos seguintes. Nesse projeto, a importância da água não está demonstrada pela necessidade do organismo físico, mas pela influência que os discursos do homem, em suas diversas manifestações, têm sobre ela.

Emoto trouxe um novo entendimento e uma nova consciência sobre a água, para a humanidade. Em seu experimento, congelou gotas de água e observou-as através de um microscópio. Primeiro estudou as águas de torneiras, rios, lagos e outros. Águas de diferentes fontes formavam distintas formas de cristais ou imagens distorcidas. Ao tocar música, mostrar palavras e imagens ou fazer orações para água, percebeu que a maneira como a água se cristalizava mudava de acordo com manifestações externas recebidas. Ele notou que a água capta estímulos externos, guardando em si uma mensagem. Manifestações positivas, como, por exemplo, ao mostrar as palavras “Gratidão” e “amor” para água, formaram um cristal perfeito. Mensagens negativas, como “seu tolo”, formaram um cristal distorcido.

Há certamente, muito trabalho a ser feito. O primeiro deles é reconhecer a importância do trabalho coletivo. Sem ele, alcançar metas globais é utópico. Não é possível algo ser preservado por poucos, quando o que está em questão é de uso de todos. Se, em um país, apenas 10% das empresas atuarem de maneira ecológica e as outras 90% não, a problemática da água persistirá. Essa lógica pode ser utilizada em relação a todo planeta. E isso vale para todos, como cidadãos, antes de serem pais de família, donos de empresas, políticos, acionistas, agricultores; enfim, para todos. Transcender a importância da água, compreendendo as diversas influências que ela tem sobre o homem e sobre o meio em que ele vive é, também, fundamental.

Pessoas como Ryan Hreljac e todos que contribuem para um mundo melhor são de extrema importância. A grande contribuição de Emoto para a humanidade é a possibilidade de ser despertada nova consciência em cada pessoa.

Percebe-se, pelo aqui apresentado, que a importância da água não consiste apenas em saciar a sede, ou para higiêne pessoal ou para a produção das empresas. O corpo humano é constituído por aproximadamente 70% de água. Quando bebê, a água chega a atingir 85% da massa corpórea. Sabendo-se que a água é capaz de absorver informações e expressá-las, imaginar a propagação dessas mensagens dentro do organismo traz uma nova maneira de pensar as atitudes do homem. Ao se considerar a água sob essa perspectiva, é possível concluir que a água tem um poder muito grande dentro do corpo humano e em todo planeta, que tem 71% de água em sua superfície.

Sendo assim, a água não é apenas uma substância que supre a necessidade física ou que mantém a produtividade global em andamento, ela se comunica diariamente com estímulos a sua volta, guardando em si o que há de positivo ou de negativo ao seu redor. A água está dentro de cada um e à volta de todos.

Tudo o que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra”

Cacique Seattle (1855)

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Referências

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OFFICCE MASARU EMOTO. What is the photograph of frozen water crystals. Disponível em: <http://www.masaru-emoto.net/english/water-crystal.html>. Acesso em: 23 FEV. 2015.

This article was published on 22nd March 2015, for the World Water Day, in Global Education Magazine.

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